domingo, 9 de março de 2014

Limbo

  “O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera.”
 [Carl Gustav Jung]

  Não tenho grande dificuldade para escrever, um pensamento que me provoque pode originar vários textos.
  É possível que essa situação não dure por toda minha vida.
  Vejo grandes autores e compositores cuja criatividade vai minguando.
  Não credito isso necessariamente a idade, senão todos os jovens seriam brilhantes e todos os velhos incapazes mentalmente.

  Vejam o caso de Caetano Veloso (só um exemplo), de cada 20 músicas compostas pelo menos 4 eram verdadeiras obras primas de som e poesia.
  (Para o “meu” gosto)
  Gil, Guilherme Arantes, Chico Buarque… não acredito que esses caras não estejam mais compondo ou não queiram compor.
  Me parece que seus estoques de obras primas se esgotaram como um poço petrolífero que já está em seu final.

  Tem compositores que parecem ter vindo ao mundo para nos trazer não mais que 2 ou 3 canções maravilhosas.

  Com escritores é a mesma coisa, escrevem um ou dois livros bons depois nada de grande destaque “pelo conteúdo”, por vezes continuam vendendo bem por estarem na moda.

  Vários escritores relatam esse “apagão”.
  Depois de uma obra prima pensa que será fácil escrever a próxima, mas ele mesmo não suporta a mediocridade ou mesmice que escreve.

  Tenho medo desse dia que diante de uma folha em branco não tenha nada que eu ache que vale a pena escrever.
  Cada vez que termino um bom texto não tenho como deixar de pensar que pode ter sido o último.
  Se eu ficar muito tempo sem escrever e não for um problema tecnológico ou de saúde é porque já esgotei meu estoque de textos, não vejo mais nada que valha a pena escrever.

  Jung em seu pensamento fala daquelas paixões que nos prejudicam muito.

  Aquele alcoólatra que só percebe que precisa mudar quando acorda com ressaca em uma sarjeta qualquer.

  Aquela mulher que já apanhou e sofreu tanto nas mãos do homem amado que decidiu pôr um fim no relacionamento

  Aquele drogado que começa a roubar para sustentar seu vício, ai percebe que está no fundo do poço, precisa se internar.

  Muitas paixões/prazeres tem potencial altamente destrutivo.
  Só quando já nos levaram para o inferno, para o fundo do poço, entendemos que devemos tentar supera-la ou morrer.

  Não é meu caso.
  Escrever é uma paixão serena.
  Em um país democrático como o nosso não vivo o inferno da perseguição política ou ideológica.
  Como não sou celebridade, mesmo quando escrevo algo mais controverso não tenho “pressão negativa” da opinião pública.

  Em vida não vejo o habito da escrita me levando para algum inferno.
 Talvez depois da morte. (“Blasfêmias" 😐)

  Em vida me trouxe muito isolamento e solidão (filosófica), mas aprendi tão bem a lidar com isso que o excesso de pessoas até me incomoda.
  O dia que perder minha paixão de escrever, que eu olhar para a tela em branco e não sair nenhum texto, será um triste dia.
  Espero morrer antes.

  Um homem não deveria sobreviver ao fim de suas paixões.

  É algo como ser recusado no céu e no inferno, um viver no limbo…


  “Por isso uma força me leva a pensar, uma força estranha no ar.
  Por isso eu escrevo, não consigo parar de pensar...”






 .


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