segunda-feira, 1 de julho de 2013

Milagre II

 




    “A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente.”


  (Soren Kierkergaard)




  Com 14 anos obtive meu primeiro registro em carteira, era uma metalúrgica, trabalhava do meio dia ás 22h00.
  Ganhava por volta de 1 salario mínimo.
  Na pequena casa no quintal da minha vó Tidi moravam eu, minha mãe e mais 5 irmãos. 
  O mais novo era o Michael, um bebê (pouco mais de 1 ano) com hidrocefalia.
  Nessa fase especifica apenas eu estava trabalhando, evidente que o dinheiro não era suficiente nem para nossas necessidades básicas.
  Não tínhamos gás há alguns dias.
  Uma chuva muito forte que caiu a noite molhou toda a madeira que havíamos apanhado para fazer fogo ... até para fazer arroz estava complicado.
  A situação era de extrema penúria e desalento.
  Minha mãe não conseguia fazer faxinas, meu irmão doente exigia muitos cuidados.
  Minha irmã mais velha tinha apenas 16 anos.
  Que dia triste!
  Lá pelas 11 horas peguei minhas coisas e fui para o trabalho, não tinha nada, não levei nem marmita.
  Minha mãe ficou de falar com minha vó para conseguir algum dinheiro pelo menos para comprar álcool e fazer uma porção de arroz.

(Nós estávamos sempre necessitados de tudo, minha mãe tinha uma compreensível vergonha de pedir ainda mais, minha vó era pobre também.)

  Não, a empresa não dava refeição, mas eu conseguia ficar horas e horas sem comer, a fome não me incomodava o que me destruía por dentro era deixar minha família naquela situação.

  É muito triste quando um garoto de 14 anos tem vontade de morrer.

  Andando para o serviço a ideia do suicídio me visitou pela primeira vez, definitivamente não estava valendo a pena continuar vivo.
  Ainda bem que chovia muito, disfarçava minhas lágrimas, nunca gostei de chorar, gostaria de ser duro como pedra, me esforço muito para isso.
  Aqueles carros passando eram um belo convite para a morte, porem precisava ser algo eficiente/definitivo, na avenida das Amoreiras passava ônibus e caminhões...

  Mas só eu estava trabalhando como deixar minha família sem aquele dinheiro no fim do mês?

  Nessa época eu era católico, diante daquela dor tão insuportável comecei o rezar Ave Maria repetidas vezes meio que implorando forças para aguentar mais aquele dia ou para efetivar o suicídio; uma das orações mais sentidas que já fiz em toda minha vida até os dias de hoje.

  
“Ave Maria, cheia de graça o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
   Santa Maria, mãe de Jesus, rogai por nós, os pecadores, agora e na hora de nossa morte, Amém.”


  Ao virar a esquina, na Avenida Rio de Janeiro, deparei com um rolinho de dinheiro, nem acreditei no que estava vendo, não era muito, mas o suficiente para trazer um alento naquele dia tão desgraçado.
  Corri nem sei como para casa, era como se flutuasse de alegria, entreguei o dinheiro a minha mãe, fui trabalhar feliz, alguém tinha me ouvido!?

  Claro que não penso que o dinheiro foi materializado ali, de certo na correria da chuva alguém deve ter perdido.
  Depois quando melhorei um pouco de vida, nunca reclamava quando perdia algum dinheiro, torcia para que alguém que necessitasse o encontrasse com as bênçãos de Maria.
  Certa vez me deu uma vontade louca de jogar 10 reais pela janela do carro, sei lá, joguei…

  É, eu sei, tudo pode não ter passado de uma incrível coincidência, mas a RAZÃO sempre dúvida das coincidências…então…

  Valeu Maria!



Texto Base






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